As 20 maiores incorporadoras do país registraram no ano passado 44.233 distratos, ou seja, cancelamentos de vendas concretizadas. No total, os negócios desfeitos somaram R$ 1,1 bilhão e afetaram 42,8% das unidades comercializadas.

Esses cancelamentos estão afetando duramente a saúde financeira das empresas e inibindo o planejamento do lançamento de novos empreendimentos”, diz Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Uma consequência é um estoque elevado de imóveis prontos, que chega a 95 mil unidades.

Os distratos aumentaram a partir de 2014, com o início da crise econômica. Em muitos casos, o cancelamento é decorrência de dificuldades financeiras do comprador, principalmente na obtenção de crédito para a quitação do imóvel, mas o cancelamento também é resultado da especulação. Investidores desistem da compra ao perceber que fizeram um mau negócio, o comprador consegue receber, por meio de ações judiciais, de 80% a 90% em média dos valores pagos. O reembolso deve ser a vista.

O advogado Olivar Vitale, consultor jurídico do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), diz que é preciso mudar a legislação, com a exigência de que o comprador comprove sua incapacidade financeira. Ele também defende que a devolução seja parcelada para não afetar o fluxo financeiro da obra.

Segundo o advogado, os recursos obtidos com a venda de unidades de um empreendimento são destinados, em primeiro lugar, a cobrir as despesas da construção. Por conta disso, os contratos de venda de imóveis, originalmente, têm caráter irrevogável e irretratável. São feitos assim para proteger o conjunto de compradores das unidades do empreendimento, uma vez que um grande número de distratos pode comprometer o andamento da obra.

Desde a crise vivida no país no início dos anos 1990, a Justiça passou a entender que era procedente o pleito dos compradores pelo distrato, com base na proteção prevista na Lei de Defesa do Consumidor. Na opinião de Vitale, um erro. “Está se protegendo o direito de um consumidor e colocando o risco o direito do conjunto.”

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, é preciso ter regras que garantam a compradores e construtoras previsibilidade na execução dos contratos e normas claras sobre o valor e o prazo em que o imóvel deverá ser devolvido nos casos de desistência. A situação de insegurança jurídica já afeta investimentos. “O Judiciário tem estimulado o distrato, ao devolver o que se pagou com a correção da inflação. É preciso equilíbrio.”

O setor da construção programa iniciar nos próximos dias uma série de encontros com parlamentares para apresentar o ponto de vista dos incorporadores e construtores com o objetivo de influenciar uma mudança na legislação, com a eventual apresentação de um Projeto de Lei.

Publicado em: http://www.valor.com.br/empresas/4985174/distratos-ja-afetam-os-planos-para-novos-empreendimentos-no-setor