Representantes do setor de incorporação imobiliária estão negociando com os bancos públicos e privados a disseminação do “crédito associativo”, modalidade em que o mutuário obtém o financiamento do imóvel ainda na planta e não somente após a conclusão da obra. Os incorporadores acreditam que esta é a solução ideal para minimizar os distratos, pois limita a possibilidade de clientes desistirem no negócio. No entanto, os bancos privados – Bradesco, Itaú e Santander – ainda estão reticentes em adotar essa proposta, pois enxergam mais riscos que benefícios na antecipação do crédito.

A modalidade associativa já é praticada pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil no financiamento de imóveis enquadrados nas faixas 2 e 3 do Minha Casa Minha Vida (MCMV), com valores de até R$ 225 mil, para famílias com renda baixa e média. Nesses casos, há forte engajamento dos bancos públicos por se tratar de um programa com funções sociais. O desejo dos incorporadores, agora, é expandir esse modelo para imóveis de valores mais altos.

“Estamos conversando com os bancos para ampliar o crédito associativo. Para o cliente, a vantagem é afastar o risco de não conseguir o financiamento. Para o banco, a vantagem é antecipar a fidelização em um crédito de longo prazo”, diz Luiz Fernando Moura, diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Do lado das construtoras, o crédito associativo pode ser a segurança para a volta dos lançamentos. A Tecnisa, depois de perder R$ 288 milhões em cancelamentos de vendas no primeiro semestre, prepara três novos projetos para ainda este ano com apartamentos de até R$ 400 mil com o financiamento “prometido verbalmente” por dois agentes financeiros para fazer o repasse na planta. “Para nós é bom porque, à medida em que se faz o repasse do cliente, isso abate o financiamento (tomado para produção)”, explicou o presidente da Tecnisa, Joseph Meyer Nigri, durante apresentação do último balanço. “Nosso endividamento tende a zerar”, acrescentou.

A Cury Construtora já trabalha com o crédito associativo da Caixa em seis projetos espalhados por São Paulo e Rio de Janeiro, cujo valor médio do imóvel gira em torno de R$ 260 mil, cerca de 15% acima do limite do MCMV. A contratação imediata do financiamento tem sido ofertada de forma opcional aos clientes, mas a construtora tem observado boa aderência. Das unidades já comercializadas, de 25% a 60% são no modelo associativo.

“O objetivo é inibir o distrato e fazer com que o contrato de compra e venda do imóvel não seja uma opção”, ressalta Fábio Cury, presidente da Cury, lembrando que muitos compradores desistem do negócio na entrega da obra por não conseguirem financiamento ou perceberem que o imóvel não atingiu a valorização desejada. “No começo, fomos criticados por imobiliárias e até por outros concorrentes porque o crédito associativo torna a venda mais lenta. Hoje, esse é o sonho das empresas que atuam na média e alta renda”, completa o executivo.

Risco aos bancos

Os bancos privados, no entanto, ainda estão reticentes em adotar o crédito associativo. Um dos principais motivos que afasta o interesse dessas instituições é o fato de que, na antecipação do financiamento, a garantia ainda não está constituída, pois se trata da própria unidade em obras. Como a construção geralmente leva entre 12 e 30 meses, os bancos assumiriam nesse período riscos de cancelamento da incorporação, eventuais embargos do empreendimentos e quaisquer problemas no andamento das obras. Há também receio de que a inadimplência seja mais alta do que no caso dos financiamentos em que o mutuário já está morando na unidade.

“Os riscos de incorporação passam para os bancos. Isso não faz sentido. Há um grande debate com as construtoras, mas a decisão final é de cada banco”, ressalva Gilberto Duarte de Abreu Filho, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) e diretor executivo de Negócios Imobiliários do Santander.

O presidente da Abecip questiona ainda o quão sustentável é o apetite das construtoras pelo crédito associativo. Ele diz que o produto aparece como uma solução em um momento de crise. Entretanto, daqui a dois, três anos, quando o cenário se normalizar, terá menor apelo, uma vez que a modalidade é restritiva do ponto de vista de preço para o consumidor, argumenta o executivo. Pode ainda, conforme Abreu, tirar parte do ganho da construtora, uma vez que no crédito associativo as incorporadoras abrem mão do Índice Nacional da Construção Civil (INCC), que corrige os imóveis na planta.

“As construtoras acham que o crédito associativo é a panaceia que vai resolver todo o problema dos distratos, mas ao possibilitar o financiamento com o imóvel na planta, obriga o reajuste dos preços dos imóveis que podem ficar mais caros de 30% a 40% já na largada”, avalia Abreu.

Apesar da recusa por parte dos bancos privados, Luiz França, presidente da França Participações, chama a atenção para o desequilíbrio que os distratos trouxeram para o setor de construção, que representa cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) no País e 2,7 milhões de empregos. Representam hoje mais de 17% das unidades vendidas na planta há dois anos, conforme incorporadoras. “O banco não está assumindo um risco maior no crédito associativo. O financiamento do imóvel durante a obra preserva o mercado financeiro”, opina o especialista, destacando que isso pode antecipar a fidelização do cliente.

Uma alternativa para que o crédito associativo desperte o interesse dos bancos privados, na visão do diretor da área de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco, João Carlos Gomes da Silva, estaria em um modelo misto com o tradicional. Assim, uma parte seria financiada com o imóvel na planta e outra, apenas depois da conclusão da obra. “Um prédio de imóveis com valor mais elevado não tem todas as unidades vendidas já no lançamento. As vendas ocorrem de forma gradativa. Não há padronização. Os compradores são mais exigentes. O associativo funciona no imóvel de menor renda porque é padronizado”, compara ele.

O desinteresse dos bancos privados também deriva do custo para operar o crédito associativo, de acordo com a diretora de crédito imobiliário e consórcios do Itaú Unibanco, Cristiane Magalhães. Como as taxas no financiamento imobiliário, embora tenham subido recentemente, estão entre as mais baixas do sistema de crédito, dificulta a rentabilidade do produto, acrescenta. “O crédito associativo gera um acompanhamento que é muito custoso, mas se for pensar sob a ótica das construtoras, com os controles devidos, a modalidade é interessante”, avalia ela.

Públicos avançam

Enquanto os privados resistem, os bancos públicos expandem sua atuação no crédito associativo. O BB começou a atuar com a modalidade também nas linhas pró-cotista, ou seja, que utiliza recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Além disso, atua no Minha Casa, Minha Vida e nos financiamentos viabilizados por meio da caderneta no âmbito do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). “O produto é complexo, mas é rentável. Propicia que iniciemos o relacionamento com o mutuário logo de cara, três anos antes, o que ajuda a fidelizá-lo. Ganha todo mundo”, garante o vice-presidente de Negócios do Varejo do BB, Raul Moreira.

Na Caixa, líder em crédito imobiliário com 67% de participação, a modalidade associativa começou a ser operada em 1997. De acordo com o diretor executivo de Habitação do banco, Teotônio Rezende, a instituição negocia, agora, ampliar o crédito associativo para um maior número de construtoras. “O que estamos fazendo agora são ajustes para que possamos permitir que mais empresas que até então não conseguiam trabalhar com crédito associativo passem a adotar o modelo”, conta ele, acrescentando que isso não significa relaxar as políticas de crédito do banco. (Aline Bronzati – aline.bronzati@estadao.com; e Circe Bonatelli – circe.bonatelli@estadao.com)

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